Constituinte da Memória de Longo Prazo, a memória episódica é usada para armazenar experiências pessoais, sem detalhamentos. Segundo Tulving (1972), esse tipo de memória é responsável pelo armazenamento de informações de contextos espaciais e temporais específicos. Em outras palavras, ela tem como função o armazenamento de informações sobre histórias pessoais localizando-as no espaço e no tempo específicos.
A criança passa a fazer uso da memória episódica por volta dos 3 ou 4 anos de idade, quando começa a encadear os eventos em forma de histórias, descrevendo os episódios vivenciados por ela. O uso da memória episódica se deve à formação de esquemas e scripts (roteiros)baseados nas experiências frequentes de deslocamento espacial.
O deslocamento do indivíduo (ou de objetos percebidos), que acontece reiteradas vezes, leva à formação do esquema ORIGEM-PERCURSO-META, ou seja, um delocamento físico envolve:
- um ponto de origem
- pontos específicos identificados ao longo do percurso (com ou sem obstáculos)
- um ponto de chegada
Ao aprender a controlar suas metas e a retornar ao ponto de origem, sem a ajuda de um adulto (reversibilidade), a criança passa a fazer uso de scripts, ou seja, de sequências de etapas que definem um percurso já conhecido do falante. Nesse período, ela é capaz de re-encontrar o ponto de origem, simular mentalmente as etapas para se chegar a um determinado lugar, incluindo, os percursos que envolvam obstáculos.
Baseada nesses scripts, a criança passa a fazer planos, ou seja, pressupor que etapas e obstáculos serão vivenciadas ao se percorrerem novas trajetórias. Cumpre ressaltar que esses scripts fornecem uma base de informações sociais compartilhadas, fundamentais para a interação social bem sucedida. Eles vão se tornando mais complexos à medida que a criança se desenvolve, a ponto de se projetarem em atividades constituídas de um começo, da realização de etapas, da transposição de obstáculos e do alcance de objetivos, como montar um quebra-cabeças ou a ida à padaria para comprar pães.
Nesse processo de desenvolvimento de scripts e elaboração de planos, a criança vai se familiarizando com cenários e cenas comuns. É através desses moldes cognitivos já estabilizados na memória episódica e com suas taxonomias, armazenadas na memória semântica, que ela passa a nutrir expectativas sobre situações, eventos e histórias.
Scripts são usados largamente por crianças na compreensão de histórias, o que justifica a forte tendência de consertar confusões provocadas por sequências incomuns de narrativa, em busca de uma organização canônica das histórias.
TULVING, E. Episodic and semantic memory. In E. Tulving & W. Donaldson (Eds.), Organization of memory, (pp. 381–403). New York: Academic Press, 1972.